sábado, 21 de abril de 2012

O rato escritor

Texto de Pomba (Cláudia Borba)   

  O pequenino ratinho pouco da vida humana sabia, mas ele sabia da sua pacata vida e do seu respectivo cotidiano, e esse cotidiano era muito estranho! Ah meus caros humanos eu digo que era muito estranho mesmo. Todos os dias, o animalzinho arriscava a vida para poder fazer sua refeição principal. Ele tinha que passar pelo terrível gato que dormia um sono muito leve e que, às vezes, acordava furioso e corria atrás do bichinho como uma fera selvagem e esse pequeno subia com tal nervosismo na toalha da mesa para buscar seu queijo e se escondia atrás de copos, jarras e bandejas com tal perspicácia que o gato acabava desistindo da função de perseguí-lo e voltava ao seu leito onde pegava no sono novamente. Exausto, mas já acostumado com a função diária, o dentuço voltava para o seu esconderijo no cantinho da sala. Tudo bem, essa história é bem conhecida de vocês humanos, daqueles desenhos animados da perseguição do gato bobo atrás do rato esperto, mas não é bem essa parte do cotidiano do ratinho que deve interessar a vocês. O interessante vem antes e depois disso, quando a pequenez do bicho o permite ver coisas que nós humanos não poderíamos ver se não na Internet ou em filmes. Da sua toca, naquele cantinho escuro da sala, onde era seu mundo, o ratinho via coisas além da sua compreensão, que para nós, pessoas, até poderia parecer atos “normais”, mas para aquele ratinho era um circo, uma alucinação ou um espetáculo.
      Certa vez, quando o bichano se preparava para sair do seu habitat, ele observa os passos dos donos da casa: O marido sai e despede-se com um toque de lábios babados a mulher que retribui com o mesmo toque. No momento em que o homem sai de casa e fecha a porta, a mulher dá um grito “UH!” e extasiadíssima começa a tirar todos os panos que vestia, ela sobe na mesa (aquela mesma mesa com toalha, copos, jarras e bandejas com queijos e outras delícias!) e atira tudo que ali tinha em cima pro chão, ela então começa a passar geleia de figo, de uva, de laranja, cremes e patês nos seus lugares mais obscuros e peludos que normalmente ficariam escondidos e chama então seu gato persa para degustar daquele estranho sanduíche no meio das suas pernas de humana. A partir disso começava a gritar como se enlouquecesse! O gato, indiferente após àquela exótica refeição, voltava para o sofá. A mulher tirava o excesso de doce com os dedos e lambia. O ratinho então pensava “Esses humanos, animais interessantes com costumes esquisitos...”.
      Todos os dias era tudo sempre igual: ela acordava o marido; eles tomavam café; ele saía; ela gemia; o gato dormia; o rato buscava o queijo. Perseguições, cansaço e o homem da casa voltava. Às vezes, o ato se repetia mais tarde, mas no lugar do gato era o homem, às vezes nem sempre o mesmo homem, mas repetidas vezes o mesmo ato. Acontecia em volta disso outras atitudes estranhas daqueles seres bípedes e caucasianos, como a filha certa vez que chegara em casa com o namorado e vira a mãe trepada na mesa com um ser peludo e muito conhecido seu, ali, naquele lugar onde um dia ela teria saído. A menina grita: meu gato! E corre aos prantos para o quarto. A mãe corre pelada chorando pela casa e gritando de forma diferente do que costumava gritar. O ratinho observava tudo com um ar de doutor e pensava em como poderia fazer um estudo, uma história, o que seja! Como revelaria sua opinião para o mundo?! Do que ele pensava dos humanos, mostraria então a todos que ele sim, pensava!
     Foi então que o observador teve uma grande ideia para seu tamanho. Todos os dias de madrugada, quando todos estavam dormindo, ele ia até o escritório do homem e subia em toalhas e estantes e pegava mini-dicionários e os estudava. Símbolo a símbolo com um tanto de pressa, porque o rato tinha consciência de que não viveria tanto tempo quanto os humanos para aprender a desvendar todas minuciosidades daqueles desenhos engraçados que queriam formar palavras, além de que, uma hora amanheceria e ele teria que voltar para sua toca. Depois de algumas semanas o rato já entendia algumas coisas ali escritas, depois de meses ele já sabia ler frases e título de outros livros que se encontravam no escritório atirados. Com primeiro passo feito, o pequeno agora queria e necessitava aprender a escrever. Observou o homem pegando a caneta com aqueles numerosos dedos cheios de carne rosada, e a equilibrando enquanto a manuseava com uma rapidez impressionante! Sim, aquilo para o rato era tão impressionante quanto a mãe na mesa, o gato indiferente lambendo a humana e a filha soltando água dos olhos!
      Em uma noite de verão, em que todos haviam saído para algum programa refrescante, o rato foi até o escritório e então olhou pra ela: a caneta. Chegou perto, cheirou, observou, e quando então em um momento sublime e mágico de encontro e realização ratual, (suspiro) tal foi a decepção do bichinho quando se deu conta de que seu esforço fora em vão! Em vão! Eu disse EM VÃO! Ele não conseguia levantar aquele enorme objeto! Tentou uma, duas, três, dez vezes e nada! Muito triste, mas persistente, o mouse mais uma vez cheirou, observou, e com a perícia de um obstetra ou melhor, de um astuto roedor, começou a roer a caneta! Sim, então roendo a caneta ela ficaria de um tamanho ideal para as suas pequeninas mãos! “Se Mickey, Jerry, Pink e Cérebro e entre tanto outros conseguiram por que eu não?!” E com uma raiva compulsiva ele roía aquela caneta que então começa a soltar seus primeiros pingos de tinta. O rato continuava, e a caneta já o deixava todo azul, mas ele não desistia, e a tinta já impregnava seu pêlo todo, foi quando o bichano, nosso herói começo a ter convulsões de ter se embebedado de tanta tinta e ali acabou a história que ele nem conseguiu começar.

2 comentários:

  1. Chorei horrores por um ratinho tão especial ter provavelmente batido as cachueletas devido a uma intoxicação com a porcaria da tinta de caneta...
    Esse mundo sucks!

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