Levou o couro do cara, o bobo e os pisantes. Deu uma joelhada nas bolas, um Zidane no melão e deixou o rapaz caído quase com a cara no cagadouro do minúsculo banheiro do boteco pé sujo do Zé. Voltou normalmente para a mesa da malandragem enxugando as mãos em uma toalhinha de papel vagabundo. Já estava no segundo martelo de pinga quando Gordo se acordou com forte dor no saco, nariz ensanguentado e metade dos cabelos sujos de merda do vaso entupido do cubículo que ostentava as letras WC na porta corroída por cupins. O otário sem pó, sem carteira, relógio e tênis, passou uma água na cara e saiu cambaleando do boteco, montou na velha Honda cinquentinha e partiu sem dizer palavra. Josué nem olhou para o indivíduo e continuou a vangloriar-se perante a plateia que sacara tudo o que tinha acontecido. O sol castigava a velha capital úmida e quente. Calor que as 3 horas da tarde daquele verão de janeiro só era amenizado pela quantidade de árvores que existiam na antiga Rua do Arvoredo. O boteco do Zé ficava no térreo daquilo que fora uma tradicional casinha de arquitetura lusa e hoje um pardieiro.
Fez-se um pequeno silêncio até o turco Elias perguntar – Então, Josué, saiu ontem de cana, onde tu tá morando?
- Por enquanto em cima dos sapatos, mas assim que eu fizer um troco vou abrir um salão de cabeleireiro, pois esse tempo em que passei no colégio fiz um curso e tenho até certificado. Nesse momento ouviu-se o ronco da cinquentinha subindo à calçada e todos olharam. O gordo com a moto ligada entre suas pernas, braço esticado na direção de Josué e em sua mão uma mini Beretta calibre 22, dessas de guardar em bolsinha de madame, ato seguido de um estalo, um leve ‘clac’ e o quase sussurro de Josué: Ai! E o pequeno furo no peito já com filete de sangue. O corpo desabou da cadeira. O gordo desceu da moto e veio até a mesa que como num passe de mágica agora sustentava o 38 do Adão que mantinha a mão espalmada ao lado do berro, este, com o cano virado para a pança do gordo. Miraram-se por segundos, gordo tinha sangue nos olhos e merda seca nos cabelos. Adão o encarava impassível, com seu velho olhar amarelado pela hepatite crônica. Zé, atrás do balcão continuava imóvel com seus braços cruzados, camiseta regata outrora branca, hoje amarelada pelo uso e pelo suor, pano da mesma cor atirado sobre o ombro esquerdo e o eterno palito de dentes no canto direito da boca, notou um acordo tácito entre gordo e Adão. Turco Elias, imóvel, parecia não estar ali, apesar de estar sentado entre o cadáver e o calibre 38 do malandro. Gordo abaixou-se e recuperou seus pertences, sentou-se na cadeira do morto e pôs nos pés seus tênis de 700 reais. Meteu novamente a mão no bolso do presunto e tirou a pacoteira com a droga. Adão chupou os dentes e tamborilou os dedos ao lado do oitão. Gordo, mirando-o com cara feia, entendeu o recado. Rasgou com força o grande envelope plástico em duas partes quase iguais. Botou a metade maior em frente a Adão. Virou as costas, guardou os bagulhos, sentou na moto ainda ligada e sumiu. Nos segundos seguintes o bar já estava vazio, Zé recolhia os copos com o cadáver de Josué entre as pernas. Enquanto ouvia o barulho da sirene cada vez mais próxima pensava: O filho da puta do turco Elias aproveitou a muvuca e saiu sem pagar a conta.
Por Eduardo Simch
Muito bom, Duá. "Tinha sangue no oho e merda seca no cabelo"... boas sacadas. Bem (d)escrito.
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