Marluce estava
na esquina, toda montada, filha de branca com negro tinha a pele clara e os
olhos castanhos puxados estilo russa. Clóvis dobrou a esquina dos inferninhos,
bem becado, sorriso fácil, um cara bacana, suas roupas de grife chamaram a
atenção das putas e dos travecos. Seguiu no gingar do sapato apertado de
malandro. Parou na Marluce, conferiu o material de alto a baixo, imediatamente
pensou ‘que carroceria’. Quanto é o programa? Perguntou para a mulher. A
prostituta de 40 anos, bonita, pesadamente maquiada e no salto vários,
aparentava 30 anos tranquilamente. Luce, como era conhecida, já tinha a manha
com freguês que vem direto nela e sapecou, 300 reais. Porra mina , tu acha que
tu és a miss Brasil? Retrucou Clóvis. Não queres vai andando, vagabundo, que
hoje é sexta feira e eu tenho que fazer um troco. Espera, espera, disse o homem
agarrando o braço da mulher. Me larga safado, se não quiser tomar umas
pregadas, falou Marluce já com algumas colegas se aproximando. Calma princesa,
com essa carroceria eu pago 500 por uma noite contigo. Falou o malandro. 600
reais aumentou Marluce. Tranquilo, lindona, aceitou Clóvis. Ta feito, disse ela
e completando avisou, tem mais 40 do quarto.
Os dois
subiram a escadaria e entraram na sala com as madeiras do chão podres e esburacadas,
havia um balcão e atrás uma megera velha rebocada que pegou os 40 reais e deu a
chave do quarto 22. Entraram, cama de casal com o lençol lustroso de tanta
porra seca, uma mesinha de cabeceira, pia pingando e um abajurzinho com luz
fraca no canto, em cima de um puf rasgado. Marluce avisou. Não beijo na boca e
por trás é mais 50. Beleza, disse o cliente já desvestindo a moça. Marluce,
mesmo mantendo a dureza no trato sentiu certa atração por aquele cara de
sorriso fácil e endinheirado que colocou 700 reais em cima da mesa ao lado da
cama. Foderam de todas as formas, inclusive com os proibidos beijos. Marluce
não gozava assim há meses. Exaustos caíram no sono.
Sem noção de
quanto tempo dormiu a puta acordou-se e não viu nem o homem nem o dinheiro que
estava sobre a mesa. Vestiu-se rapidamente, olhou as horas no paraguaio que
usava no pulso, 4.20 da madruga. Desceu
correndo as escadas e num quase tombo quebrou o salto de um dos sapatos. Cadê o
safado, cadê o safado perguntava quase gritando para as colegas de quadra. Olenca,
um travesti se aproximou e disse, saiu faz umas duas horas, bem tranquilo,
dobrou a esquina. Ou fugiu ou foi no Cokk Club.
O Cokk Club
era o puteiro mais chique da zona, só entrava endinheirados, na maioria
executivos. A prostituta roubada, capengueando com um salto quebrado foi às
pressas para lá.
Juarez e
Osvaldão, dois PMS, faziam bico de segurança na portaria do Cokk. Juarez mais baixo
e troncudo tinha 1,90m e Osvaldão 2,20 de altura. A noite estava tranquila para
eles, nem uma alteração, as meninas ‘universitárias’ serviam os fregueses com
dedicação. Tudo normal como Cigano, o patrão, gostava.
Marluce, com
sangue nos olhos tentou passar entre os dois armários que faziam a portaria do
Cokk. Foi barrada. Que isso vagaba, disse o Juarez, aqui é só gatinha
universitária, puta de rua não entra.
Universitária é o caralho, eu conheço esse 171 das piranhas novas. Eu vou entrar aí de qualquer jeito, pois tem
um puto que comeu meu rabo a noite toda e fugiu para cá enquanto eu dormia sem
me pagar, gritou a mulher. Olha aqui,
vagabunda, disse Juarez, se tu não saíres daqui agora te baixo o cacete que nem
a puta velha da tua mãe vai te reconhecer. Baixa porra nenhuma, negão. Eu é que
vou caguetar vocês para o tenente que faz a ronda aqui na área e é meu cliente,
pois PM, funcionário público, não pode fazer bico por fora, disse ela. Juarez
foi para cima da mulher, mas Osvaldão esticou o braço e mandou. Calma aí,
Juarez, essa piranha pode nos arrumar confusão. E se dirigindo a Luce falou, Já
são quase 5 horas, Marluce, agora tu sabe o meu nome né negão? Falou a prostituta.
Osvaldão, bem calmo disse, nos chamar de negão é racismo, é crime inafiançável,
tu queres ir em cana? Segura essa língua e espera a clientela começar a sair,
se o salafra tiver aí dentro nós te damos um apoio. Mas Marluce estava indignada
e gritou, eu vou entrar é agora e pegar o meu dinheiro, não vou esperar porra
nenhuma. Então temos um problema, disse
Osvaldão, Juarez já estava bufando e falou. Deixa-me arrastar essa cadela até o
beco e encerro o assunto. Não. Decretou o grandão. Só o que nos faltava é um
corpo aqui do lado da boate. O quê? Disse Marluce transtornada. Eu sou roubada, assaltada, violentada e os
polícias cometendo irregularidades podendo ser expulsos da corporação, além de
ficarem do lado do ladrão me ameaçam de assassinato? Vão se fuder seus negão
filhos de uma puta!
A chapuletada
de mão veio de cima para baixo e a mulher desabou no chão abrindo outra buceta,
agora na cabeça. Tu ta louco Juarez, tu quer foder com tudo, disse Osvaldão. A
gritaria não chamou a atenção de quem estava na boate, pois tem isolamento
sonoro, mas chamou a atenção das putas de rua e dos travecos que já vieram com tijolos,
paus, facas e navalhas. Osvaldão puxou a Glock 45 e o Juarez o Shimitão 38. O
mais alto avisou com um vozeirão de assustar academia de boxe, o primeiro que
atravessar a rua leva um pipoco no meio do melão. A catrafa ficou parada. Ele
continuou. Vem uma puta só aqui. Recauchuta a maquiagem dela, limpa o sangue e
empresta o sapato que eu vou entrar junto com a Luce e conversar com o meliante
na surdina. Isso se ele estiver aqui dentro mesmo. Juarez olhava admirado para
o colega.
Marluce
atordoada pela batida da cabeça no paralelepípedo da rua seguia Osvaldão no som
ensurdecedor da boate. Jogo de luzes, globo de estrelas circulando, ela mal
conseguia caminhar. Cigano, sentado no mezanino, viu seu segurança e a mina cambaleante
no meio do salão e não gostou. Chamou a equipe interna e ordenou que trouxessem
os dois até ele. Lá em cima Osvaldão cochichou no ouvido do chefe. Marluce
disse, e aí Cigano, cada vez mais rico. Cigano se levantou puxou uma cadeira e
falou no ouvido da mulher, tu continuas tão bonita como 20 anos atrás quando
trabalhavas para mim. Nesse momento, Luce olhou para frente e deu de cara com o
sorriso simpático de Clóvis, sentado na mesma mesa do Cigano, não teve dúvidas,
como uma gata raivosa enfiou-lhe um copo de uísque nas fuças, fazendo a meleca
jorrar. Os seguranças imediatamente pegaram a prostituta e o retalhado e
levaram para o escritório do Cigano, que não moveu um músculo permanecendo com um
sorriso no rosto. Passados alguns minutos o chefão entrou no escritório,
Marluce e Clóvis, sentados frente a frente e devidamente agarrados pelos
seguranças tentavam sem sucesso se libertar dos músculos dos capangas. Qualé
Osvaldão, que banzé é esse na minha casa de show?Disse o dono. Clóvis lembrava
o vilão Coringa dos quadrinhos do Batman, com o talho da boca quase até a orelha,
o terno cinza e a camisa branca empapadas de sangue. É o seguinte chefia o playboy
aí fez e aconteceu com a boca, a checheca e o rabo da Marluce e saiu sem pagar.
É verdade isso, Clóvis, perguntou Cigano. O homem tentou falar, mas só saiu
mais uma golfada de sangue.
Pode perguntar
para a Zuleide do motel, para as putas e os travecos todos viram nós entrarmos.
Cigano coçou o queixo e proferiu, Osvaldão, pega o Zezinho, o Alemão Barra e
trás a Zuleide, dois travecos e duas putas, mas as de fé, não trás as viciadas
de crack. Os gorilas zarparam como quem pisa em brasa. Aqui cabe uma
observação, o ‘Zezinho’ tinha 2 metros de altura e pesava 150 kg. Com frequência,
os habitantes da noite faziam arruaças, brigas, discussões e todo o tipo de
confusão na frente do Cokk Club e quando a coisa ficava demais descia o Zezinho.
Agora, putas, travestis e a ladroagem que se aglomeravam do outro lado da rua
em solidariedade a colega dispersaram rapidinho quando viram a montanha de
músculos sair pela porta, ainda mais acompanhado do Barra e do Osvaldão.
Zezinho quase
quebrou a perna em um degrau podre do madeirume velho do puteiro da velha
Zuleide. Já chegou de ‘bom humor’, pegou a Zuleide pelas crinas e arrastou a
senhora escada abaixo, Osvaldão mais diplomático convenceu duas putas das
antigas e o Alemão Barra meteu o 45 nas paletas de dois travecos, sendo um
deles a Olenca, e arrastaram a fauna pela porta dos fundos do Cokk Club até o
escritório do Cigano.
Com todos na
sala confirmando o acontecido, Cigano ordenou, bota essa escória para andar. A trupe
da noite voltou para a rua pela escada dos fundos abaixo de bofetão, coronhada
e bico no rabo.
Com calma,
Cigano pôs uma cadeira na frente do Clóvis e sem dizer palavra esticou a mão
espalmada. Clóvis, fraco pela perda de sangue, mas com a adrenalina a mil,
meteu a mão no bolso e tirou os setecentos reais da Marluce e colocou na mão do
dono da boate. Esse atirou a grana no colo da mulher e voltou a sentar na
frente do Coringa Clóvis e com a mão estendida novamente disse, éramos amigos,
tu eras um bom freguês, mas agora a coisa mudou safado. Passa tudo que tu tens.
Clóvis entregou a carteira e depois foi virado de cabeça para baixo e sacudido,
nos sapatos acharam mais dois mil embaixo das palmilhas do malandro. Cigano deu
mais mil reais para a puta e disse, presta bem atenção. Isso nunca aconteceu e tu
nunca estiveste aqui. Compreendes muchacha? Luce balançou a cabeça afirmativamente.
Zezinho, disse o chefe, leva a donzela para a quadra que lá que é lugar de puta
velha.
Quando só
restou na sala Clóvis, Cigano, Osvaldão e o Alemão Barra, o chefe disse, levem
o nosso Don Juan para ver o nascer do sol. Clóvis quis murmurar mais alguma
coisa, mas o pé de cabra que o Osvaldão lhe acertou na cabeça fez com que ele
jamais murmurasse, falasse ou existisse.
Sozinho no
aposento, Cigano cheirou uma carreira de cocaína e pelo interfone disse para a
gerente Ondina, mande duas ‘universitárias’ com balde, desinfetante e todo
material de limpeza que isto aqui está precisando de uma faxina geral.
Fim
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